O PIRACICABANO SUD MENUCCI E O MOTIVO DA SUA NEUTRALIDADE NA REVOLUÇÃO DE 1932
Sud Menucci e o outro lado da moeda
por Ralph Mennucci Giesbrecht
É sempre interessante ler sobre o outro lado da moeda, ou seja, o que fez uma pessoa de influência em São Paulo durante a Revolução de 1932 e não era a favor dela?
Sud Mennucci (1892-1948), meu avô, foi uma dessas pessoas.
Sud era professor primário formado em sua cidade natal, Piracicaba, SP. Fora isso, foi autodidata. Entrou para trabalhar no jornal O Estado de S. Paulo em 1925, chamado por Júlio de Mesquita. Recusou a primeira chamada: na época, ele, que já havia publicado inúmeros artigos na imprensa sobre educação e outros assuntos, além de ter dois livros publicados, era Delegado Regional de Ensino em Piracicaba, o primeiro que ocupou esse cargo na história sem ter jamais sido antes diretor de escola. Júlio de Mesquita, o filho, insistiu: ele negou novamente. Em março, Julinho mandou-lhe uma carta que continha uma proposta irrecusável para ser redator. Sud aceitou e veio trabalhar em São Paulo.
Sua fama crescia entre os políticos. Seu grande interesse continuava sendo na educação do Estado e do País, principalmente na reforma do Ensino Rural. Em meados de 1930, ele publicaria o que seria sua obra-prima no assunto: o livro A Crise Brasileira de Educação, obra-prima sobre o ensino rural e urbano no Brasil, que mais tarde, em 1933, render-lhe-ia um prêmio em dinheiro da Academia Brasileira de Letras. Correu o Brasil dando palestras antes e depois do livro publicado. Porém, não conseguia ele avanços no convencimento dos governantes da época a começar, pelo menos, uma mudança no sistema de ensino, que ele considerava falho. Fico imaginando o que ele diria se visse o atual, oitenta anos depois. Ele era feliz e não sabia.
Quando estourou a revolução de 1930, Sud foi chamado por um amigo seu, que foi seu colega na direção de uma revista paulista efêmera, mas famosa, "Arlequim", no final dos anos 1920, para integrar um dos "clubes" que se formaram após a vitória de Vargas em outubro. Era a Legião Revolucionária, ao lado de outras, como o Três de Outubro e o Cinco de Julho. A Legião fora formada em 12 de dezembro de 1930 por Miguel Costa, João Alberto e Mendonça Lima, em São Paulo. De tendência socialista, havia nela diversas correntes que iam desde o apoio a Vargas até o comunismo claro. Sud ficou entusiasmado com o que viu e achou que afinal havia chegado a oportunidade para a reforma do ensino brasileiro. Nos primeiros dias, ganhou o apoio de Miguel Costa, já ele então presidente da Legião. Imediatamente, Costa colocou Sud como diretor do jornal O Tempo, criado no final de dezembro do mesmo ano pela própria entidade.
Por motivos diversos, Sud permaneceu somente duas semanas no cargo e no dia 10 de janeiro foi empossado como Diretor da Imprensa Oficial do Estado. Ao mesmo tempo, o recém-formado Centro do Professorado Paulista o convidou para ser seu Presidente, aproveitando-se da influência que, a essa altura, Sud possuía entre a classe política que assumira São Paulo e indicada toda ela por Getúlio. Ele ainda mantinha seu cargo de redator no O Estado de S. Paulo e também era um dos chefes da Comissão que estudaria uma reforma municipal no Estado.
Em setembro de 1931, meu avô tomou parte no Congresso da Legião Revolucionária de São Paulo, fazendo a propaganda do seu plano para o ensino e apresentando suas propostas. Teve o cargo de 2o vice-presidente do Congresso. Seu discurso foi considerado o melhor, superior até ao de Miguel Costa. O seu programa foi aprovado. Tudo ia correndo bem para ele, embora nem tanto para a Legião: no Congresso ficaram muito claras as dissidências internas. As opiniões de Costa e de vários dos membros eram contraditórias. O apoio a Vargas era grande por parte do primeiro e rejeitado por vários membros.
No final de novembro, Sud foi indicado para substituir Lourenço Filho como Delegado-Geral do Ensino, cargo que hoje seria mais ou menos o de Secretário Estadual da Educação. Sud poderia agora implantar suas ideias no Estado, com o forte apoio de Miguel Costa, então com o prestígio de ser o "interventor militar" no Estado e tendo, na prática, mais poder do que os interventores de Vargas - que, aliás, já começava a pensar em puxar seu tapete, apesar do massivo apoio que Costa lhe dava. Nessa época, porém, a situação em São Paulo começava a se deteriorar e os problemas se acumulavam. Ao mesmo tempo em que Sud publicava a sua reforma do ensino, a revolução se desenhava, com a publicação do Manifesto à Nação pelo Partido Democrático, nove dias depois.
A oposição à reforma de ensino também não foi pequena e deu-lhe muitas dores de cabeça. Os ataques vieram em massa, contra este ou aquele item. Do outro lado, o PRP, o partido que governava São Paulo até a revolução e ainda existia, aderiria ao Manifesto e participaria do grande comício de 25 de janeiro “pela volta do País à normalidade nacional”. Miguel Costa disse então a Vargas que havia que substituir Rabelo na interventoria, pois ele o alvo direto dos ataques da oposição: desta vez, por alguns dias, o Sud foi um forte candidato ao cargo. Quem acabou sendo indicado foi Pedro de Toledo, considerado como conciliador.
As coisas acalmaram por algum tempo, mas voltaram a se incendiar em maio. Sud passava o tempo viajando pelo Estado e inaugurando escolas, tentando a aprovação para suas novas regras. Fez isso até 23 de maio: nesse dia, o MMDC atrapalhou seus planos. A bagunça e a morte dos estudantes fizeram com que Sud entregasse o cargo no dia seguinte. A Legião já havia se transformado no PPP. No dia seguinte, Pedro de Toledo demitiu Miguel Costa do comando da Forca Pública. O PPP começava a perder influencia no governo. Vargas ficou somente olhando e não acudiu nem Miguel Costa nem ninguém. E Sud? Como sua reforma jamais teve seu decreto aprovado, pois era seguidamente protelada (o Brasil não muda mesmo...), ficou sem vê-la aplicada.
O prestígio de meu avô, no entanto, continuava intacto: em 12 de junho, recebeu um grande almoço para 200 pessoas em sua homenagem no Clube Comercial, onde o próprio João de Toledo, diretor-geral do Ensino que o substituiu, esteve presente. Duas semanas, Costa convocou uma reunião do PPP “urgente”, mas já era tarde. A essa altura, Sud e muitos outros da ex-Legião estavam já desiludidos e abandonando o barco. Passaram-se alguns dias e Sud resolveu deixá-la definitiva e oficialmente. Só que era meio tarde. Ele enviou a carta para publicação no jornal O Estado de S. Paulo no dia 10 de julho, um dia depois do início da revolução. Com a situação já tensa, a nota não foi para o prelo e não saiu. Isso não fez a menor diferença para Sud, pois ele não apoiou a revolução: ele sabia o que, parece, poucos sabiam, que a Região Militar, ainda com forte influencia de Miguel Costa, havia mandado esvaziar de armas e munição o Arsenal de Guerra. Além disso, ele não concordava com os ideais da revolta, pois achava que uma volta ao status quo anterior à revolução de 1930 seria um retrocesso. Sud era teimoso, acreditava no que acreditava. Não foi para o front, mas decidiu ficar quietinho em sua casa na Vila Mariana.
O estouro da revolução, no entanto, transformou-o de homem influente em homem perseguido. Se não está com a revolução, então está contra – e ele, sentindo as ameaças logo nos primeiros dias, foi se esconder nas Perdizes, na casa de seu cunhado, de onde teve de fugir logo depois, pois alguém o denunciou. Quando seus captores chegaram, ele havia acabado de sair por outro lado. Foi direto para o sítio do cunhado no Embu, uma casa mal mantida no meio do mato. Ficou ali mais de dois meses, enquanto sua esposa e quatro filhos permaneceram na Vila Mariana, quase passando fome. Maria, sua esposa, conseguiu mandar os filhos para o interior, enquanto dois irmãos dela e um sobrinho foram presos na casa, talvez para provocar uma reação de Sud – que não aconteceu. Foram soltos dias depois, pois não havia nenhuma acusação contra eles. Amigos da família levavam comida para Maria, mas a casa vivia sob observação.
Do Embu, Sud enviava bilhetes para Maria, que seguiam levados por um amigo professor, Máximo de Moura Santos. Uma carta que escreveu para Rodrigues Alves Sobrinho, seu conhecido e secretário de Estado, Máximo e seu cunhado Siqueira (que permaneceu no front por algum tempo) se recusaram a entregar. Sud tinha informações das notícias do front por seus amigos e parentes e aproveitava-se de seu quase absurdo conhecimento da geografia do Estado para entender o que ocorria. Máximo lhe disse que a carta, onde Sud se apresentava como mediador das duas partes, seria mal interpretada de qualquer forma e ele correria perigo. Propôs a meu avô que entregasse outra carta com termos diferentes que Máximo sugeriu. Sud se recusou a fazê-lo. Máximo provavelmente tinha razão: já na metade final da guerra, um jornal de Rio Claro publicou uma notícia falsa, de que ele havia sido preso no Mato Grosso, “irradiando falsas notícias sobre a guerra para os exércitos inimigos”.
No dia 23 de setembro, sabendo que a derrota estava próxima, foi escondido para a casa de amigos do cunhado nas Perdizes, mas ainda se mudou duas vezes de casas naquela região até que no dia 3 de outubro foi para casa, segundo escreveu, “sob a ameaça de ataque a mão armada”. Voltou para a casa do cunhado, e depois, para casa novamente. Aí que se percebe a situação hipócrita: gente que se dizia seu amigo e que não prestou ajuda nenhuma durante seu “sumiço” agora pedia a ele que interferisse junto ao Governo Provisório (de São Paulo) para que minimizassem suas penas que lhes seriam impostas fatalmente. Houve gente famosa nessa história.
A comunicação de sua saída do PPP, que era datada de 10 de julho e deveria ter sido publicada nesse dia, somente o foi no dia 11 de outubro, e o jornal certificou os leitores que ela era real. Nesse dia, Sud foi para o Rio de Janeiro e foi recebido friamente por seus interlocutores: José Américo, Pedro Ernesto e João Alberto, entre outros. Agora, os dois lados desconfiavam dele.
Aos poucos, Sud recuperou a confiança de ambos os lados da disputa. Não se sabe, realmente, até que ponto. Continuou a sua carreira, jamais disputando nenhum cargo eletivo (exceto sua candidatura em 1933 para deputado constituinte de São Paulo, quando não conseguiu a vaga) e até 1945, quando Vargas caiu, ocupou cargos de expressão no Governo Paulista, reassumindo por duas vezes o cargo de Diretor-Geral de Ensino. Depois disso, caiu doente e faleceu em julho de 1948, deixando um dos mais vastos acervos documentais que conheci.
O julgamento de meu avô é feito pela história.
MEUS PARABÉNS AO EGYDIO TISIANI, PRESIDENTE DO NÚCLEO DE CORRESPONDÊNCIA "CAPITÃO NECO". SÃO
ResponderExcluirESCLARECEDORAS AS REVELAÇÕES SOBRE A NEUTRALIDADE DE SUD MENUCCI NA REVOLUÇÃO DE 1932.