OS PRIMEIROS COMBATENTES DE 32 A MORREREM PELO IDEALISMO: MMDC

  M. M. D. C.


Jornal "O Estado de São Paulo" (original) de 25 de agosto de 1932 trazendo a notícia dos primeiros paulistas que gloriosamente tombaram pela causa Constitucionalista do Brasil.

  23 de Maio de 1932! A cidade estava eletrizada. Sentia-se, na estranha magnificência daquela tarde de sol, que uma força nova palpitava, animando todos os corações para algum inédito cometimento. Os olhares de todos se cruzavam em íntimas interrogações. Nas sacadas rostos ansiosos prescrutavam, de instante a instante, o borborinho das ruas. Os homens se procuravam. Uma vontade mútua de servir os aproximava. Trocavam-se impressões.
 Dezessete horas...  Dezessete e meia...   Dezoito horas...   Talvez um pouco mais, talvez...   Uma voz límpida e forte entoou as primeiras notas do Hino Brasileiro. Foi o rastilho. Outras se fizeram ouvir. Milhares de vozes acompanharam o cantor anônimo. O povo falava enfim. A multidão, irresistivelmente, caminhou para a praça que tem sido o coração cívico de São Paulo - a Praça do Patriarca, em cujo lampadário parece brilhar o espírito e a coragem de José Bonifácio.
 Na exaltação do instante magnífico, em que se rompia o amalgama triturante da nossa liberdade, os manifestantes não mediram o seu entusiasmo e atiraram-se, com a simplicidade dos heróis, à represália contra os fracos paulistas que haviam cedido à tentação de aquecer-se ao calor do poder.
 Verificou-se o ataque. Tentava-se extinguir, até pela violência, a sede do partido político que apoiava o interventor federal de então. Seus adeptos reagiram. Tiros partiram de todos os lados. E quatro vidas moças, algumas recém-abertas para o mundo, tombaram no gramado e no lajedo da Praça da República, sacrificadas à vontade paulista de retomar a direção de seus negócios.
 Mais tarde, outra vida, ferida naquele anoitecer agitado de 23 de maio, veio somar-se às quatro primeiras. 
 Assim morreram Mario Martins de Almeida, Euclydes Bueno Miragaia, Drausio Marcondes de Souza, Antonio Americo de Camargo Andrade e Orlando de Oliveira Alvarenga.
 Das iniciais dos quatro primeiros formou-se um símbolo: " M. M. D. C. " que na guerra de 32 foi a alma forte que levou, intemeratamente, desde o primeiro instante, toda a mocidade paulista para os campos de batalha.
 A história do heroísmo desses bravos e a significação de sua morte, não é preciso escrever: o coração paulista, cioso de suas glórias, transmitirá, de geração em geração, como um culto, o ideal do seu valor.
 "M. M. D. C. " será, para todo o sempre, o retrato do brio e da dignidade paulistas!  Os nomes que o inspiraram precisa ser biografados. Darão um novo brilho a esta obra. Serão o seu pórtico e o seu orgulho.  Ei-los:

MARIO MARTINS DE ALMEIDA



  Nasceu em São Manuel, no Estado de São Paulo, no dia 8 de Fevereiro de 1901. Era filho do Coronel Juliano Martins de Almeida e de d. Francisca Alves de Almeida, falecida e irmão dos srs. João Baptista Martins de Almeida, Juliano Martins de Almeida Filho, ambos falecidos; Galeano Martins de Almeida, casado com d. Maria Sampaio Martins; d. Alice Martins de Almeida Pannain; d. Guiomar Martins de Almeida Sampaio, casada com o sr. Manuel Sampaio de Barros Junior e d. Vera Martins de Almeida Amaral, casada com o Dr. Alvaro do Amaral.
 Foi estudante do Mackenzie College, tendo terminado seus estudos sob a direção do professor Alberto Kullmann. Era fazendeiro de Sertãozinho estando, naquele dia, em São Paulo, de passagem, em visita a seus pais. Está sepultado no cemitério da Consolação.

EUCLYDES BUENO MIRAGAIA



  Nasceu em São Jose´dos Campos, no dia 21 do mês de Abril de 1911. Era filho do Sr. José Miragaia e de d. Emilia Bueno Miragaia. Deixou os seguintes irmãos:  Dyonisia Miragaia Carmine, Maria Aparecida Miragaia, Joaquim Bueno Miragaia, Benedicta Bueno Miragaia e Ivino Bueno Miragaia.
 Foi aluno da Escola de Comércio Carlos  de Carvalho, de onde se passou, no terceiro ano, para a Escola de Comércio Alvares Penteado. A 23 de Maio, quando foi ferido e morto, era auxiliar de um cartório em São Paulo.

DRAUSIO MARCONDES DE SOUZA



  O mais jovem. Pouco mais que uma criança. Homem pelo sentimento. Patriota como poucos. Nasceu à rua Bresser, na cidade de São Paulo, no dia 22 de Setembro de 1917, filho do Sr. Manuel Octaviano Marcondes de Souza, farmacêutico e de d. Ottilia Moreira da Costa Marcondes. Ferido no dia 23, a despeito dos cuidados de seus pais e de seus parentes, nada foi possível fazer à sua saúde. Em seu leito de dores, animando sua mãe, Drausio, numa conformação apenas não admirável porque partia seu espírito heroico, dizia: "Eu estava destinado para este sacrifício. Se mil vidas tivesse, todas elas daria pela nobre causa da libertação da terra que me viu nascer".  No dia 28 de Maio, a uma hora e cinquenta minutos, falecia de uma peritonite. Ao baixar seu corpo à sepultura, no jazigo da família, no Cemitério da Consolação falaram um representante da Liga Paulista pró-Constituinte, o Sr. João Felizardo Junior e, por último, seu progenitor, o Sr. Manuel Octaviano Marcondes de Souza.
 Deixou os seguintes irmãos:  Yvonne, Carlos Joffre, Danilo e Darclé Marcondes de Souza.

ANTONIO AMERICO DE CAMARGO ANDRADE



  Nasceu no dia 3 de Dezembro de 1901, filho do Sr. Nabor de Camargo Andrade, falecido e de d. Hermelinda Nogueira de Camargo. Era casado com d. Inaiah Teixeira de Camargo e deixou três filhos:  Clesio, Yara e Hermelinda.
 Era irmão do Sr. Cyro de Camargo Andrade e de donas Laura e Rita de Camargo Sampaio Ferraz.

ORLANDO DE OLIVEIRA ALVARENGA
  Nasceu em Muzambinho, Estado de Minas, no dia 18 de Dezembro de 1899. Era filho do Sr. Ozorio Alvarenga e de d. Maria Oliveira Alvarenga. Deixou viúva d. Annita do Val e um filho de nome Oscar. Irmão do Sr. Antonio Alvarenga, residente em Rio Preto.
 Seu falecimento deu-se no dia 12 de Agosto de 1932, num quarto do Hospital Santa Rita, para onde fora conduzido depois de ferido gravemente durante as ocorrências do dia 23 de Maio.
 Exercia as funções de escrevente juramentado.


A Guerra começou na Praça da República
  Na esquina da Praça da República com a Barão de Itapetininga de dentro da sede do Partido Popular Populista o ataque começou com gente preparada e fortemente armada do Partido Popular Populista e a fuzilaria a cada momento aumentava, com uso de granadas, jogadas nas praça e com o tiroteio as primeiras baixas nos paulistas. Tiroteio até às 4,15 da manhã de 24 de maio no chão da praça os heróis supramencionados.
 Horas depois, as iniciais dos nomes dos mortos haverão de formar a sigla da sociedade, em princípio secreta, que viria a ser forja e martelo da revolução constitucionalista: MMDC.

                         Foto única em que estão assinalados Dráusio, Alvarenga, Camargo, Miragaia e Martins momentos antes de serem feridos ou mortos no conflito da esquina da Itapetininga com a Praça da República. Em primeiro plano, à esquerda, Raul Noce.

 Velório e sepultamento dos mortos de 23/24 de maio que aceleraram o eclodir da Revolução

                      Coberta com a Bandeira Brasileira a urna com os cadáveres do levante constitucionalista



Velório e sepultamento dos jovens MMDC ocaiões para discursos e comprometimentos Constitucionalistas



 Dos ativistas
  Embora notória, até localizável a montagem de movimento armado, não poderia faltar à organização o toque do sigilo, da iniciação ritual. Boa parte dos que conspiravam provinha das associações secretas estudantis das faculdades de direito, de engenharia, de medicina. Estruturou-se pois uma central secreta.
  No dia 24 de maio, ainda ferventes as cabeças e os ânimos em razão dos sucessos sangrentos da noite-madrugada na Praça da República, reuniram-se em salas privadas do Restaurante Posílipo: Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, Aureliano Leite, Prudente de Moraes Neto, Paulo Nogueira Filho.  Horas mais tarde, no Clube Comercial, encontro de confirmação, já com o círculo de aderentes alargado pela presença de Cesário Coimbra, Francisco Mesquita, Francisco A. Santos Filho, Edgar Baptista Pereira, Bernardo Antônio de Moraes, Alberto Americano, Roberto Vítor Cordeiro, Carlos de Souza Nazaré, Bueno Ferraz, capitão Antônio Pietscher, Antônio Carlos Pacheco e Silva, José A. Teles de Matos, Gastão Grossé Saraiva, Hermann de Moraes Barros, Flávio B. Costa, Moacir Barbosa Ferraz, Waldemar Silva, Bráulio Santos, Jorge Resende e Tiago Mazagão Filho.

Sentinelas civis na entrada da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, 09 de julho de 1932.

  O nome da associação seria "Guarda Paulista", mas no decorrer dos entendimentos foi lembrada a necessidade em que ficavam os paulistas insurgentes de manter viva a chama que, à noite, levara ao ferimento e à morte os primeiros combatentes de 32: Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Antônio Américo de Camargo Andrade e Dráusio Marcondes de Souza. Os iniciados começariam sua missão batizando a entidade com o nome-lembrança das vítimas: CDMM.  No final da reunião as iniciais estavam consagradas, embora trocadas, em razão da eufonia, para MMDC: Martins-Miragaia-Dráusio-Camargo.
  Os ativistas passaram a ocupar-se regularmente com a preparação de pelotões guerrilheiros do tipo "apresentação e ação fulminantes".  Quase toda a cidade foi coberta pelo plano: os pelotões, ativados mediante senhas altamente secretas, a serem transmitidas no minuto derradeiro, ocupariam pontos estratégicos, repartições, estações ferroviárias, emissoras radiofônicas, serviços públicos.

Voluntários no Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito.

  Iniciada a luta, o MMDC foi tornado público e oficializado pelo decreto 5.627-A, de 10 de agosto, ganhando esquematização burocrática. Ligado diretamente ao gabinete do Secretário da Justiça, tinha por coordenador Luís Pisa Sobrinho.  A superintendência dos departamentos foi alojar-se, inicialmente, na Faculdade de Direito, mudando-se logo para o prédio antigo do Fórum - esquina da Rua do Tesouro com a Quinze de Novembro.  Mais tarde, ampliado, ingurgitado pela inclusão de departamentos e serviços, lotou as instalações da Escola do Comércio Álvares Penteado.
  Modelo de organização à base de voluntariado, reunindo centenas de técnicos, o MMDC ocupou-se com a direção geral do abastecimento, a intendência, as finanças, engenharia, saúde, correio militar, mobilização e serviços auxiliares.
 Ao MMDC foi entregue, entre outras, a missão de manter a segurança das cidades. Elementos acima de qualquer suspeita escolhiam e chefiavam grupos de voluntários na tarefa de montar guarda às ruas, às casas, aos estabelecimentos públicos, comerciais e industriais.

Júlio Marcondes Salgado
Ação combinada toda a Força Pública, com o seu comandante à frente, coronel Marcondes Salgado

  Na Vila Cerqueira César, capital, afeta à 4ª divisão do MMDC paulistano, um desses guardas voluntários, humilde, retraído, absorto, chamava-se Vítor Brecheret. Na lista de adesões, entre carroceiros, metalúrgicos, advogados, proprietários, comerciantes, comerciários, pedreiros, alfaiates, barbeiros, professores, médicos, bancários, aposentados, ele qualificara-se "artista escultor".


 Acima, foram traçadas as biografias dos heróis de 23 de Maio, daqueles que inspiraram a instituição " M. M. D. C. " . Seus nomes servirão simplesmente como pontos de referência. Acima deles, além de suas filiações paternas ou maternas, cintilam a luz de suas almas, o brilho de seus espíritos, o seu amor melhor - que foi São Paulo.
 Os mortos de 32 são inspirações do Alto: seus feitos são exemplos que ficarão como lições de civismo, como fanais rutilantes, capazes de guiar a nacionalidade para imortais destinos.


"Perpetuemos a memória do Soldado Paulista de 1932... Soube o soldado paulista, além do mais, sacrificar-se heroicamente por São Paulo, com a fidalga elevação de nunca dar a entender que se sacrificava. O sobrevivente não se jacta de haver cumprido o dever: não o cumprir seria indigno; alegar que o cumpriu parece-lhe desaire. Assim, e guardando varonil concordância entre o gesto e a palavra, o que caiu e o que ficou de pé. Este hoje nos apareceu à memória e aos olhos sob os aspectos da abnegação, da honra cívica e da singeleza... Tombou por amar à justiça: testemunhemos a continuidade desse amor à justiça, pelos anos em fora, erigindo-lhe o monumento da nossa veneração e da nossa saudade, que seja, ao mesmo tempo, a viva mostra de uma gratidão comovida." (Valdomiro Silveira)

"Aos épicos de julho de 32, que, fiéis cumpridores da sagrada promessa feita a seus maiores - os que houveram as terras e as gentes por sua fé - na lei puseram sua força e em São Paulo sua Fé." (Guilherme de Almeida)

Fontes: A Revolução de 32 - Hernâni Donato e Cruzes Paulistas

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